domingo, 15 de outubro de 2017

A inevitabilidade de uma ORDEM

       A primeira Ordem que existiu, antes do Estado Novo, foi a dos advogados. O Estado Novo, por conveniência e controlo de certos grupos, deu espaço a que se concebessem outras Ordens, entre elas a dos médicos, e creio, a dos arquitetos. Michael Foucault explica bem como todos os profissionais se tornaram atores na sociedade vigilante, bem plasmada na sua obra  Vigiar e Punir. Autores incontornáveis sobre o tema, ORDENS e Cooperativismo, são Fernando Rosas, Álvaro Garrido, Vital Moreira e Nuno Estevão, ou com publicações mais especificas e com estudos de caso, Raquel Rego e João Freire, entre outros. Com eles percebemos a origem, as razões porque o Estado Novo as defendeu e as tornou panópticas das próprias profissões. Reside aqui, provavelmente, a minha reserva quanto às ORDENS. Vital Moreira defende que as Ordens são uma criação do ditador. Na verdade, e como já referimos, existe um caso, a ORDEM dos advogados, anterior aos anos 30, mas é de Salazar o decreto que as legaliza e que as torna equivalentes aos sindicatos, naquilo que diz respeito às profissões liberais (ver Garrido, Rego). Como é bom de ver, elas surgem como um correspondente direto dos sindicatos e não outra coisa. Nem outro objetivo teve Salazar com a sua criação.

      Os tempos trazem alterações e à conceção de ORDEM é associado um conjunto de outras valias que não as sindicais, criando duas categorias autónomas e complementares. A segunda metade do seculo XX e já este século XXI altera muito dos princípios que regem as ordens, o mundo mudou, estas tornaram-se uma espécie de intervenientes e fazedores de lobbys. Justificam muita da sua existência, em diálogo com o Estado, substituindo-se às entidades reguladoras. Vendidas como salvadoras e promotoras de tudo e mais alguma coisa, vivem entre reivindicações e ameaças, quando apenas, e bastas vezes, não são mais do que déspotas em relação a algumas regalias que os seus membros possam ter e que de outro modo jamais as teriam. Tornaram-se, igualmente, uma passerelle de vaidades e disputas de grandes egos, onde nem sempre são eleitos os mais capazes. Outras vezes, as eleições são por magríssima representação tal os níveis de absentismo, criando verdadeiro espaço para o distanciamento entre a realidade dos profissionais e a realidade da ORDEM. Palcos partidários e submersas em jogos, nem sempre defendendo os associados, mas antes defendendo o poder de alguns. Criado um espaço próprio para não colidirem com os sindicatos elaborou-se uma ideia de entidades distintas, aliadas do poder politico e institucional, as ORDENS surgem como as defensoras da sociedade civil dos próprios profissionais, dando origem a estatutos, regulamentos e desvios à sua ideia inicial. O que deixa tantas vezes caminho aberto para alguma criatividade nem sempre muito entendível, e por outro lado, alguns dos seus principais atores deixam-se contaminar por ideias reivindicativas confundindo os receptores com as suas ações.

   São uma construção/prática sociológica com função aglutinadora, que a qualquer dia pode ser substituída por outra entidade, desde que aliada do estado e não rival do estado, correndo o risco, caso seja este o caminho, de se tornarem desnecessárias.

      Mesmo assim, elas surgem como "fim de linha", obrigatórias para sobrevivermos e nos afirmarmos. 


       Como jogar neste tabuleiro entre profissões senão nos munirmos com as mesmas armas? A pergunta não é se devemos ter uma ORDEM (se não podes nada contra eles tens que te reforçar com as mesmas armas), antes como nos gerimos como grupo pobre (muito pobre) e heterogéneo debaixo de um chapéu de ação tão elástica, diversa e de custos tão elevados?  Como processar uma ORDEM tão aglutinadora como neste momento se tornou o sindicato e não um depósito mensal de uma verba obrigatória e com a qual quase ninguém tem a ver?



Freire, J. 2004. Associações profissionais em Portugal, Oeiras.
Rego, R. 2007. Dirigentes associativos: envolvimento e profissionalização. 
Rodrigues,M.L.1997.Sociologia das profissões, Oeiras.


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