Röentgen (...)guardou segredo dizendo a um dos seus amigos,
Theodor Boveri: “descobri algo extraordinário, mas não sei se as
minhas observações serão corretas”,e à sua mulher Bertha,
afirmava que trabalhava numa coisa tão invulgar que diriam dele:
“O Röentgen enlouqueceu!” (Eisenberg, 1995).
Não
sabemos se existe alguma dramatização do que aconteceu, nada se sabe da
heurística daquela pesquisa que a história da ciência arrumou em 8 de
novembro de 1895. Sabemos que este fantástico achado, anunciado ao mundo
em 28 de Dezembro de 1895, numa conferência pública e através do
artigo Sobre uma nova espécie de raios (Über eine neue Art von Strahlen) teve uma descomunal repercussão.
Em poucas semanas, a notícia espalha-se pelo mundo, não só na
comunidade científica como na imprensa mais generalista que noticiam os
raios que deixam ver através da matéria. Apenas num mês, jornais como Diei Wiener Presse, de Viena (5 de janeiro de 1896); London Daily Chronicle, de Londres (6 de janeiro); Standard, de Londres (7 de janeiro); Le Matin, de Paris (13 de janeiro), e revistas científicas como The Electrician(10 de janeiro); Lancete The Brithish Medical Journal (11 de janeiro); Nature(16 de janeiro), além do próprio artigo original traduzido na Nature(23 de janeiro), fazem referência às photographias de Röntgen.
Só em 1896 foram escritos 49 livros ou panfletos e 1000 artigos
científicos sobre os raios X (Martins, 1997). Portugal não foge à regra e
entre dezembro de 1895 e março de 1896 estão referenciadas cerca de 10 a
12 noticias em jornais generalistas e revistas científicas (Solano, 201
).
A repercussão imediata da descoberta dos raios de RÖNTGEN parece ser caso único na história da ciência. Em 1919, o eclipse solar que comprovou a teoria da relatividadede de Einstein é um rival de peso, a nível de repercussão na imprensa, mas que no meio científico não se consegue igualar.
Em
ciência não existem acasos. É hora de deixarmos de minimizar o mérito
de Röntgen dando relevância ao aspeto acidental da observação do
cientista. Essa é uma visão errada, como aliás vimos defendendo em
publicações desde 2015. Quando se conhece um pouco do trajeto do
cientista imediatamente nos apercebemos que estamos perante um espírito
brilhante, perspicaz, rigoroso. Aos 50 anos, altura desta sua
observação, Röntgen tem perto de 50 artigos publicados, essencialmente
sobre as propriedades físicas dos cristais e sobre física aplicada. Por
exemplo, em 1878 apresenta um alarme para telefone, em 1879 um
barómetro. Um cientista experimentado, rigoroso nos detalhes e que
escreve apenas três artigos sobre os raios X, tema que para ele estava
esgotado. Na verdade, nos anos seguintes ninguém mais acrescentou nada
ao tema.
A
descoberta de Röntgen causou um grande impacto, não só nos meios
científicos, mas entre a população em geral. Estava em cima da mesa algo
que iria transformar a medicina. Iria tornar visível o invisível,
tornar transparente o interior do corpo, ou como disse Castorp na Montanha Mágica, vermos aquilo que não devíamos ver, a nossa própria morte.
Os primeiros aparelhos eram muito rudimentares e, mesmo assim, tornou-se comum a oferta de uma fotografia do torax, entre namorados, ou de radiografias da mão com um anel simbolizando o amor.
Apenas depois de se perceber os efeitos nocivos da radiação X é que se restringiu o seu uso à medicina.
A todos os TSDT de radiologia desejamos um bom 8 de novembro 2020.
"Ela é tão alta, tão esbelta; e seus ossos,
aqueles débeis fosfatos e aqueles carbonatos
tornam-se magníficos aos raios catódicos
pelas oscilações, ampères e ohms;
suas vértebras não se ocultam sob a pele,
mas tornam-se inteiramente visíveis.
Em torno de suas formosas costelas
em número de vinte e quatro
desenha-se um tênue halo de sua carne;
sua face sem nariz e sem olhos volta-se para mim
e eu sussurro: "querida eu te adoro";
seus dentes brancos e brilhantes sorriem.
Ah! doce, cruel, adorável catodografia"
Lawrence K. Russel, fevereiro 1896
(tetxo nosso publicado em 2018 e replicado em 2020)
bibliografia disponível se solicitada
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